23 setembro 2005

Noiva e Preconceito (Gurinder Chadha, 2004)

“Noiva e Preconceito” parte de uma proposta bastante clara: apresentar ao “mundo” – e como “mundo” entenda o grande mercado cinematográfico - um gênero específico da Índia, e por lá bastante popular, conhecido como bollywood; gênero este que começa a ser apreciado pelo restante do planeta, mesmo que ainda preso aos guetos do que se chama “cinema de arte” – e só no Rio de Janeiro podem ser mencionadas as retrospectivas tanto do Festival do Rio do ano passado como a do MAM. Assim como qualquer forma estabelecida, esta também tem suas regras particulares; mistura de estilos (drama, comédia, romance...), números de canto e dança, duração normalmente extendida para o que estamos acostumados, figurinos e locações exuberantes, falta de cenas de beijo, certa dose de violência – mesmo sem sangue -, entre outras.

Dessa particularidade de gênero a ser respeitada à necessidade de aproximação com a comédia romântica tradicional nasce o grande paradoxo – nesse caso, não solucionado – do filme de Gurinder Chadha – diretora também de “Bend it like Beckham” -. A mudança do idioma para o inglês, assim como a duração de filme-padrão hollywoodiano – em torno de duas horas – e a adição de uma estrutura de verossimilhança, reforçada na própria inclusão de personagens ingleses e americanos, causa uma certa dificuldade. Não é mais no terreno “desconhecido” de bollywood que adentramos, mas no familiar território dos filmes produzidos em massa nos Estados Unidos (mesmo que a produção seja, vale ressaltar, inglesa). A própria diretora, certas vezes consciente de tal conflito – entre misturar o típico e o estranho como se fizessem parte da mesma estrutura -, constrói em diversos números musicais, assim como em outras situações, um registro paródico no qual tudo que pertence ao gênero “indiano” é rechaçado com piadas, já que, se tratado em um registro “naturalista” – como é comum vermos dentro da filmografia tradicional ocidental de larga escala -, nada causa além de deslocamento.

Se fosse apenas isso, porém, “Noiva e Preconceito” seria apenas uma tentativa mal-sucedida de aproximar duas culturas. O grande problema, porém, é que Chadha, além de nos apresentar bollywood, também tem a intenção de, assim, apresentar a Índia e, com isso, adicionar uma discussão política. O que, seria, portanto, simplesmente uma fábula romântica, ganha contornos mais sérios, e mais complicados. Dessa forma, além do conflito já mencionado entre gênero ocidental e gênero indiano surge um novo, entre gênero indiano e realidade indiana, conflito exponenciado pela necessidade da diretora de assumir uma postura teoricamente anti-imperialista. Ora, se o gênero escolhido trata exatamente de uma Índia mítica, repleta de ornamentos e cores e danças, como assumir a postura da defesa da identidade de uma nação perante às outras? Em todos os momentos, a diretora propõe a defesa de uma Índia real se esquecendo de que essa Índia real em momento algum existe no filme. Em uma seqüência, um dos personagens comenta que o bom do país é que até os pobres podem se divertir naturalmente. Seria talvez um comentário pertinente, se por acaso aparecesse algum pobre indiano durante todo o filme! Não são as piadinhas sarcásticas sobre os valores da cultura americana nem o fato de toda a equipe ser composta por indianos que mudam o que “Noiva e Preconceito” realmente é: a submissão de uma Índia verdadeira – que, pelo filme desconhecemos – perante uma Índia maquiada. Uma obra imperialista, portanto.